Musk ganha causa alegando que declarações falsas eram puffery
Otimismo exagerado
A juíza federal Araceli Martinez-Olguin extinguiu uma ação movida por um grupo de investidores contra a Tesla e seu CEO, Elon Musk. Os réus foram acusados de fraudar os acionistas da empresa ao fazer declarações falsas sobre a segurança e a eficácia do carro autodirigível da Tesla, para atrair investidores.
Os peticionários alegaram no processo que Musk vendeu US$ 39 bilhões em ações graças às declarações falsas que fez. Mas, quando a verdade sobre as deficiências do carro veio à tona, o preço das ações despencou. E, obviamente, os investidores perderam muito dinheiro.
O lado curioso desse caso foi o tipo de defesa que os advogados de Musk usaram para os réus se safarem da ação. Eles alegaram que tudo o que o empresário declarou sobre o futuro próximo do carro autodirigível da Tesla não foram declarações falsas. Foram apenas puffery corporativo.
A juíza aceitou o argumento dos advogados. Ela rejeitou as queixas de que as declarações de Musk foram falsas ou que promoveram negligência. Para a julgadora, muitas de tais declarações podem ser entendidas apenas como predições sobre o futuro.
Ela argumentou, em sua decisão, que os investidores não produziram provas suficientes para responsabilizar os réus por declarações falsas sobre a segurança e eficácia dos recursos do carro autodirigível (também chamado de carro autônomo, robotaxi e sistema de piloto automático (autopilot) da Tesla).
O que é puffery?
Puffery é um termo conhecido nos meios publicitários do Brasil, provavelmente por falta de uma palavra que mate a charada. Em português, o termo é traduzido como exagero; em espanhol, como hinchazón (inchaço); em italiano, como gonfiatura (inchaço); e em francês, como bouffonnerie (bufonaria ou palhaçada). Valem, então, as explicações: de acordo com o Legal Information Institute (LII), puffery é um termo comumente utilizado no Direito Comercial para descrever, de forma exagerada, um produto ou serviço. Às vezes, o termo é equiparado à “conversa de vendedor de carro”.
A diferença entre puffery e declaração falsa, segundo o LII, está no conteúdo: puffery é a expressão de uma opinião (exagerada, no caso), enquanto a declaração falsa envolve a afirmação de fatos. Se alguém declara alguma coisa como sendo um fato, mas não é, isso constitui uma “declaração falsa factual”.
Um exemplo (comum nos Estados Unidos): um vendedor de companhia de cabo liga para um consumidor oferecendo internet à velocidade da luz. Acredite se quiser. Mas, quando o consumidor pergunta qual é a velocidade de downstream e upstream, ele não sabe. Afinal, o texto que ele está lendo é puro puffery.
Mas, se a empresa declara que oferece internet de 500 Mbps para convencer o consumidor a contratar o serviço, e testes revelam que a velocidade é, de fato, menor, isso será uma declaração falsa — e sustentará um processo.
Nesse ponto, entra em jogo o adjetivo “razoável”, que os advogados de Musk usaram na defesa com sucesso. Eles argumentaram que “nenhum investidor razoável iria confiar em declarações vagas, generalizadas de otimismo corporativo ou em declarações de mero puffery, que não pode ser objeto de ação judicial”.
No entanto, se um comprador (ou investidor) confia razoavelmente nas declarações da empresa, que se comprovam factualmente falsas, e sofre danos por causa da confiança razoável em tais declarações, isso constitui fraude.
Em outras palavras, puffery define uma afirmação subjetiva; declaração falsa define uma afirmação objetiva, diz o LII.
Isso está decidido desde 1892, quando a Suprema Corte julgou o caso Carlil v Carbolic Smoke Ball Company, de acordo com o site Open Legal.
A empresa anunciou um dispositivo que prevenia resfriado e gripe, durante um surto de influenza. E prometeu pagar US$ 100 a quem usasse o dispositivo e contraísse a doença. Para garantir a promessa, fez um depósito de US$ 1 mil. Carlil comprou o dispositivo, pegou a gripe e cobrou os US$ 100. A empresa se recusou a pagar.
Nesse caso, a corte introduziu a tese da “sinceridade” das declarações. Ela decidiu que “qualquer declaração feita com sinceridade transmite uma oferta, pois a linguagem não era tão vaga que o consumidor não pudesse interpretá-la como uma promessa”.
Segundo os peticionários, entre as diversas promessas feitas por Musk para atrair investidores estavam: para a Tesla, “segurança é um recurso supremo”; os carros da Tesla são “absurdamente seguros”; o sistema de “piloto automático (autopilot) é super-humano”; e “queremos chegar tão perto da perfeição quanto possível”.
Os investidores alegaram que essas declarações não foram meramente puffery. Por exemplo, o “super” em “super-humano” não é puffery porque indica que o carro autodirigível da Tesla é mais seguro do que um humano; e “absurdamente seguro” também transmite a ideia de que são mais seguros do que a segurança de humanos”.
Os advogados de Musk contra-argumentaram que, de qualquer forma, essas declarações são tão vagas que um investidor não poderia acreditar nelas. Elas expressam apenas otimismo corporativo, não podendo ser verificadas objetivamente.
Musk ganhou uma batalha…
Em todo caso, a batalha judicial entre a Tesla e os investidores desiludidos ainda não chegou ao fim. A juíza concedeu aos acionistas um prazo até o próximo dia 30 para eles protocolarem na corte uma versão mais apropriada de suas queixas contra a empresa e Elon Musk .
Assim, o processo continuará a tramitar paralelamente a uma ação coletiva movida por consumidores, que também se queixam de terem sido enganados pelo marketing da empresa sobre os recursos do carro autodirigível.
Além disso, a Tesla está sob investigação de um órgão federal, que examina possíveis defeitos no sistema de piloto automático do carro autodirigível. E a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) investiga se a empresa fez declarações falsas sobre sua tecnologia de direção automática.