Não cabem embargos de divergência baseados em HC ou MS
Jurisprudência defensiva
Por maioria de votos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça rejeitou ampliar a admissibilidade dos embargos de divergência, para permitir que eles sejam julgados quando o acórdão paradigma seja de ação com natureza de garantia constitucional.
O julgamento foi resolvido nesta quarta-feira (6/11) por maioria de 8 votos a 5 e acabou por reforçar a jurisprudência defensiva da casa — termo que alguns ministros da corrente vencedora rejeitam.
Os embargos de divergência permitem que o STJ cumpra sua principal função: dirimir conflitos jurisprudenciais internos, uniformizando a interpretação do direito federal infraconstitucional. Nesse tipo de recurso, as partes podem contrapor uma decisão desfavorável com outra, de outro colegiado, em que o mesmo tema foi decidido de maneira diferente. Se houver similitude entre os casos, o colegiado competente uniformiza a questão.
A jurisprudência construída ainda sob o Código de Processo Civil de 1973 passou a exigir que o acórdão embargado e o acórdão paradigma sejam de recurso especial. Não caberia o uso de Habeas Corpus, mandado de segurança ou recursos nesses incidentes (RHC e RMS).
Essa posição foi reafirmada após a entrada em vigor do CPC de 2015, mas vinha sendo contestada por ministros da própria Corte Especial e, principalmente, por integrantes da 3ª Seção, que se dedica a temas criminais. Isso porque essa restrição nos embargos de divergência dificulta a uniformização de divergências existentes entre a 5ª e a 6ª Turmas, já que a maioria dos grandes temas hoje tem posição definida em julgamento de Habeas Corpus.
Sem embargos de divergência, as turmas criminais têm o costume de afetar o julgamento de Habeas Corpus para a 3ª Seção. Internamente, o problema se resolve. Externamente, o precedente não tem qualquer força vinculante para orientar juízes e tribunais.
Hoje presidente da 3ª Seção, o ministro Ribeiro Dantas propôs ao tribunal uma alteração no Regimento Interno para permitir embargos de declaração baseados apenas em Habeas Corpus, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Todo esse cenário não sensibilizou os integrantes da Corte Especial, composta pelos 15 ministros mais antigos do STJ. A proposta de viragem jurisprudencial, feita pelo ministro Raul Araújo, foi rejeitada. Venceu o voto da ministra Maria Thereza de Assis Moura, acompanhada por João Otávio de Noronha, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão e Benedito Gonçalves.
Jurisprudência defensiva
“Não se trata de jurisprudência defensiva”, apontou a ministra Maria Thereza, ao abrir a divergência vencedora. Para ela, não é possível usar ações com natureza de garantia constitucional nos embargos de divergência. Isso porque, nos recursos especiais, a finalidade é conferir a melhor interpretação à legislação infraconstitucional federal.
Já em HC e MS, o objetivo é observar as garantias constitucionais, com maior incursão sobre provas pré-constituídas.
Além disso, ela destacou que o artigo 1.043 do CPC de 2015, que trata do tema, previa no inciso IV que seria embargável o acórdão que, nos processos de competência originária, divergisse do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal. No entanto, essa norma foi revogada pela Lei 13.256/2016, que alterou o CPC poucos meses depois de sua vigência. “Logo, o recurso ficou restrito às hipótese de julgamento em sede de apelo especial”, resumiu.
Ao formar a maioria, o ministro João Otávio de Noronha destacou que a missão constitucional do STJ não aconselharia a alteração proposta. “Vamos transformar os embargos de divergência em mero recurso de interesse das partes e não em instrumento de uniformização da jurisprudência”, disse.
Voto vencido
A proposta de mudança jurisprudencial do ministro Raul Araújo foi acompanhada pelos ministros Humberto Martins, Sebastião Reis Júnior, Isabel Gallotti e Og Fernandes. Para ele, a posição se justifica pelo inciso I do artigo 1.043 do CPC, que diz que cabem embargos contra acórdão em recurso especial que “divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito”.
Assim, o legislador expressamente ampliou as possibilidades com o objetivo de sanar divergências internas entre teses jurídicas para matérias de direito em situações fáticas ou processuais similares, independentemente do tipo de ação.
“Se mantivermos a higidez insensata da atual jurisprudência, o acórdão proferido em recurso especial cuja origem é um mandado de segurança concedido poderá receber tratamento diverso do acórdão em recurso em mandado de segurança denegado, ainda que a questão seja exatamente a mesma”, ressaltou.
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