Artigo 499 do CPC e as demandas de seguros de saúde
Opinião
A Lei nº 14.833/2024 introduziu uma alteração significativa no artigo 499 do Código de Processo Civil (CPC), adicionando ao dispositivo o parágrafo único que modifica as regras para a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos.
Antes da mudança legislativa, uma obrigação de fazer poderia ser convertida em perdas e danos se o autor fizesse requerimento nesse sentido ou se fosse impossível a concessão da tutela específica. No entanto, com a alteração, estabeleceu-se uma exceção à regra geral, de modo que em determinadas situações, antes de convertida a obrigação em reparação pecuniária, ao devedor será novamente facultado o cumprimento da tutela específica.
As situações mencionadas no parágrafo único incluem: 1) responsabilidade por vícios redibitórios (artigo 441 do Código Civil), 2) defeitos em construções (artigo 618 do Código Civil), 3) cobertura de seguros (artigo 757 do Código Civil) e 4) responsabilidade subsidiária ou solidária.
Nesses cenários, ainda que o demandante solicite a conversão da obrigação em indenização, o juiz deve, antes de conceder a conversão, oferecer ao réu a possibilidade de cumprir a obrigação originalmente pactuada.
O novo texto da lei reforça a intenção de preservar os contratos. Privilegia o cumprimento da obrigação específica e, ao mesmo tempo, incentiva a resolução de conflitos dentro dos parâmetros contratuais estabelecidos, representando um avanço na proteção dos negócios jurídicos.
Especialmente em ações relacionadas a seguros de saúde, o equilíbrio entre a proteção contratual e a garantia dos direitos do consumidor é um desafio constante.
De um lado, há a relevância de se garantir o acesso do consumidor ao tratamento de saúde que lhe foi prescrito, de outro, a necessidade de se respeitar a autonomia das partes e a força obrigatória dos contratos, respeitando cláusulas que limitam responsabilidades e estabelecem parâmetros de cobertura.
Risco de vantagem indevida e potenciais impactos à seguradora
Outrossim, em determinadas situações, em se constatando o descumprimento de uma obrigação de fazer, a conversão da obrigação em perdas e danos pode resultar em valores desproporcionais, superando em muito o valor da obrigação principal, extrapolando a quantia equivalente à cobertura securitária pretendida.
Esse descompasso financeiro deve ser visto com cautela não apenas pela possibilidade de se criar uma vantagem indevida ao consumidor, como também em razão dos impactos que a distorção do equilíbrio econômico do contrato pode causar não só à seguradora, mas aos próprios segurados, dada a natureza do contrato em discussão, regido sobretudo pelo princípio do mutualismo.
CDC e a perspectiva de moderação
Há, por fim, que se considerar o aparente conflito do artigo em discussão com o que preconizam as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que representa mais um desafio de interpretação jurídica.
Spacca
Enquanto o CDC, especialmente nos artigos 18 e 20, visa assegurar ao consumidor a reparação integral de prejuízos decorrentes de vícios e defeitos nos produtos ou serviços, o parágrafo único do artigo 499 do CPC traz uma perspectiva de moderação ao estabelecer que a fixação de perdas e danos não deve ser a primeira opção do julgador. Relevante se observar o cuidado de não confundir a imposição de reparação pecuniária com um meio coercitivo de cumprimento da obrigação, a exemplo das astreintes, instituto distinto, com previsão específica no artigo 500 do CPC.
Assim, cabe ao magistrado harmonizar esses dispositivos, aplicando o CDC para garantir os direitos do consumidor, sem desconsiderar o que preconiza o CPC. O parágrafo único do artigo 499 do CPC representa um novo caminho para assegurar que a conversão em perdas e danos só ocorra quando estritamente necessário, cabendo ainda o cuidado de, ao garantir ao consumidor o direito de ser compensado adequadamente, se evitar indenizações excessivas e desproporcionais e privilegiar o negócio jurídico validamente firmado.