Opinião
A escala 6×1 é um regime de trabalho em que o trabalhador labora seis dias consecutivos e tem direito a um dia de descanso semanal remunerado (DSR). Esse modelo é comum em setores como comércio, indústria e serviços. Como principais características desse modelo de jornada temos a carga horária diária de até 8 horas, totalizando 44 horas semanais conforme os ditames da CLT [1] e da Constituição [2]. O trabalhador tem direito a um dia de descanso, que pode ser fixo ou alternado, mas deve ocorrer a cada seis dias de trabalho. Pelo menos uma vez ao mês, deve coincidir com um domingo.
Se o trabalhador exceder a carga horária diária ou semanal, as horas adicionais devem ser remuneradas com acréscimo de, no mínimo, 50% e o trabalho em feriados, se ocorrer, deve ser compensado com folga ou pagamento adicional, conforme acordado em convenção coletiva ou contrato, de acordo com o caso da categoria.
O que diz a PEC?
A proposta de emenda à Constituição (PEC) visa a extinguir a escala de trabalho 6×1 e foi apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) em 1º de maio de 2024. A proposta sugere a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana, com um máximo de 36 horas semanais, sem redução salarial.
A deputada [3] argumenta que a redução da jornada de trabalho sem diminuição salarial pode melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, aumentar a produtividade e gerar mais empregos. A proposta reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado e às demandas por melhor qualidade de vida.
Neste mês de novembro de 2024, a PEC alcançou o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados, totalizando 194 apoios [4]. Para avançar, a proposta precisa ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, posteriormente, em dois turnos no plenário da Câmara, com pelo menos 308 votos favoráveis. Se aprovada, seguirá para o Senado, onde também necessitará de aprovação em dois turnos.
O que temos no direito do trabalho comparado?
Não há uma obrigatoriedade de que o Brasil siga o que é feito no exterior, tendo em vista que cada país tem seu próprio fluxo de desenvolvimento e peculiaridades que invibilizariam uma cópia exata de determinadas medidas. Mas nunca é demais uma breve análise do que há no direito comparado, para tentar entender os reflexos que certas medidas teriam caso utilizadas na realidade brasileira. Alguns países têm explorado ou implementado a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana, visando a melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e aumentar a produtividade.
Spacca
Na vnaguarda dessa alteração, a Islândia [5], entre 2015 e 2019, realizou experimentos que reduziram a jornada semanal para 35 horas, sem que houvesse diminuição salarial. Os resultados mostraram melhorias significativas no bem-estar dos trabalhadores havendo não somente a manutenção, mas também um aumento da produtividade.
Já desde 2022, os trabalhadores belgas obtiveram por lei o direito de optar por uma semana de trabalho de quatro dias, condensando as 38 horas semanais em quatro dias, sem redução salarial. No caso da Bélgica, a principal força motriz para essa mudança foi querer dar uma maior liberdade aos trabalhadores e empresas na montagem da sua escala [6].
E como um caso mais diferenciado, temos a Holanda, que não há legislação específica que regule a situação, deixando por conta dos próprios trabalhadores e empresários se organizarem com relação a escala de trabalho. Deste modo, a Holanda possui uma baixíssima carga semanal de 29 horas por semana[7]. Um exemplo de como as relações de trabalho podem ser autorreguladas em determinados países.
O que é importante e o que é discurso?
Simplesmente alegar tentativa de melhoria na saúde mental e no tempo de convívio com a família, mais tempo para dedicação para acompanhamento médico é discurso. Também falar em queda de produtividade, desemprego, queda da economia e prejuízo no desempenho de atividades empresariais também é discurso. O que é importante? Os dados e estudos que se debruçaram sobre a área e que devem ser levados em conta no momento de tramitação da PEC, afastando qualquer peso que discursos políticos possam ter, tendo em vista que nosso Congresso está longe de ser um exemplo no que se trata de escala de trabalho.
Na seara de argumentos, o que sempre abre a discussão é sobre a qualidade de vida do trabalhador e o impacto na vida cotidiana como o perigo na redução da produtividade e eventuais abalos na economia. Segundo Maria Hemília Fonseca [8], professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, as pesquisas apresentam dados que corroboram com outros dados existentes sobre o assunto e atestam as vantagens dessa redução:
“O que se verificou nesse estudo feito na Inglaterra é que de fato existem benefícios em reduzir a jornada de trabalho. Além de comprovar que a produtividade não foi afetada, os ganhos, principalmente em segurança do trabalho e na saúde dos trabalhadores, são muito grandes. Houve uma melhora na saúde mental dos funcionários, com redução de casos de estresse e burnout, por exemplo.”
Devemos sempre observar o contexto no qual essa mudança seria implementada para que realmente não traga prejuízo para diversos setores de alta demanda, como é o caso de comércio e serviços. É inegável que “trabalhar menos” é imediatamente entendido como um reflexo de viver melhor, mas o contexto é importante, para que não seja o dia de trabalho livre substituído por uma jornada mais longa ou estenuante. Pode-se afirmar que a redução de jornada é fortemente aconselhável, embora alguns ajustes se façam necessários para que ela se caracterize como medida efetiva de QVT (Qualidade de Vida do Trabalho) [9].
Os ajustes conforme o contexto devem ser observados para evitar o acúmulo do trabalho e a exploração do trabalhador, que no Brasil já é de grande ocorrência. Ao observar estudos elaborados por Topp et al. [10] e Orehova e Chepisheva [11], a implementação da redução da escala sem a devida análise e adaptação a realidade do país causou um aumento nos níveis de estresse dos trabalhadores, pois em que pese o fato da jornada ter sido reduzida, foi mantida a carga de trabalho e das tarefas, o que exigia que entregassem a mesma quantidade de demandas em menor tempo.
O afã e o populismo em causar a mudança não pode ser gatilho para prejudicar o trabalhador mais na frente. Alterar a jornada sem o devido estudo e período de teste pode ser mais prejudicial do que benéfico. Deve haver o devido planejamento adequado para que não ocorra uma diminuição na oferta de empregos formais, pressionando o mercado de trabalho e potencialmente aumentando o desemprego [12].
Congresso tem nas mãos instrumento importante para o trabalhador
É inegável a importância da PEC para discutir a escala do trabalho. As relações trabalhistas têm passado por diversas mudanças e modernizações, e talvez seja a hora de rever a escala 6×1 no território brasileiro. O que é importante repisar: os estudos de direito comparado são importantes para entender o fenômeno, mas não devem ser levados ao pé da letra, principalmente quando oriundos de países da Europa ou Ásia, visto que as diferenças culturais e de comportamento são peças importantes que refletem também no estilo de trabalho da população.
Um caso importante que pode servir de exemplo é o do Chile, país vizinho do Brasil e que guarda semelhantes comportamentais dada sua existência em um continente latino-americano. Por lá, o Congresso aprovou uma lei que reduz a semana de trabalho de 45 para 40 horas. Para análise de impactos e impedir a mudança bruta, a implementação será gradual: ocorrendo um ano após a aplicação, a jornada será reduzida para 44 horas; após três anos, para 42 horas; e, após cinco anos, chegará a 40 horas [13].
É um bom exemplo de como o debate pode ser feito aqui, com aplicação gradual e talvez setorizada, dando meios de que a alteração seja feita onde ela é necessária, resguardando a saúde e o bem dos trabalhadores, sem descuidar da economia e das oportunidades de trabalho.
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Referências
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Art. 58. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
BRASIL. Constituição Federal. Art. 7º, XIII. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
Economia da Islândia dispara após adoção de jornada de trabalho de 4 dias. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/economia-da-islandia-dispara-apos-adocao-de-jornada-de-trabalho-de-4-dias. Acesso em: 22 nov. 2024.
Fim da escala 6×1: o que acontece agora que a PEC atingiu as assinaturas para tramitar na Câmara? Disponível em: https://exame.com/brasil/fim-da-escala-6×1-o-que-acontece-agora-que-a-pec-atingiu-as-assinaturas-para-tramitar-na-camara/. Acesso em: 22 nov. 2024.
Jornada de trabalho semanal 6×1: salário baixou em 5 países. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/webstories/jornada-trabalho-semanal-6×1-salario-baixou-5-paises. Acesso em: 22 nov. 2024.
OREHOVA, Baiba; CHEPISHEVA, Stela. Work-life management through the lens of the 4-day workweek. Social Entrepreneurship and Management. Roskilde University, 2022. Disponível em: https://rucforsk.ruc.dk/ws/files/81426180/Project_report_final. Acesso em: 22 nov. 2024.
PEC da escala 6×1: leia o texto completo da proposta de emenda constitucional. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6×1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
Pesquisa inglesa mostra que redução da jornada de trabalho não afeta produtividade. Disponível em: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/pesquisa-inglesa-mostra-que-reducao-da-jornada-de-trabalho-nao-afeta-produtividade. Acesso em: 22 nov. 2024.
Redução da jornada de trabalho deve voltar à pauta do Senado em 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/01/19/reducao-da-jornada-de-trabalho-deve-voltar-a-pauta-do-senado-em-2024. Acesso em: 22 nov. 2024.
REVISTA DE PSICOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E TRABALHO. Florianópolis, v. 7, n. 1, jun. 2007. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1984-66572007000100007&script=sci_arttext&. Acesso em: 22 nov. 2024.
Semana de quatro dias: que países concordam e como está a correr até agora. Disponível em: https://pt.euronews.com/next/2023/03/02/semana-de-quatro-dias-que-paises-concordam-e-como-esta-a-correr-ate-agora. Acesso em: 22 nov. 2024.
SOUZA, Ana Clara Coutinho de; SILVA, Carolina Nicoletti Ramos da; KELLY, Claudio Augusto. Efeitos da redução da jornada de trabalho sobre a economia brasileira. Ciências Humanas, v. 27, n. 127, out. 2023. Disponível em: https://revistaft.com.br/efeitos-da-reducao-da-jornada-de-trabalho-sobre-a-economia-brasileira/. Acesso em: 22 nov. 2024.
TOPP, Julia; HILLE, Jan Hendrik; NEUMANN, Michael; MÖTEFINDT, David. How a 4-day work week affects agile software development teams. ArXiv, Cornell University, 2021. DOI: https://doi.org/10.48550/arXiv.2111.08968. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2111.08968. Acesso em: 22 nov. 2024.
[1] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Art. 58. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
[2] BRASIL. Constituição Federal. Art. 7º, XIII. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
[3] PEC da escala 6×1: leia o texto completo da proposta de emenda constitucional. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6×1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm. Acesso em: 22 nov. 2024.
[4] Fim da escala 6×1: o que acontece agora que a PEC atingiu as assinaturas para tramitar na Câmara? Disponível em: https://exame.com/brasil/fim-da-escala-6×1-o-que-acontece-agora-que-a-pec-atingiu-as-assinaturas-para-tramitar-na-camara/. Acesso em: 22 nov. 2024.
[5] Economia da Islândia dispara após adoção de jornada de trabalho de 4 dias. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/economia-da-islandia-dispara-apos-adocao-de-jornada-de-trabalho-de-4-dias. Acesso em: 22 nov. 2024.
[6] Semana de quatro dias: que países concordam e como está a correr até agora. Disponível em: https://pt.euronews.com/next/2023/03/02/semana-de-quatro-dias-que-paises-concordam-e-como-esta-a-correr-ate-agora. Acesso em: 22 nov. 2024.
[7] Jornada de trabalho semanal 6×1: salário baixou em 5 países. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/webstories/jornada-trabalho-semanal-6×1-salario-baixou-5-paises. Acesso em: 22 nov. 2024.
[8] Pesquisa inglesa mostra que redução da jornada de trabalho não afeta produtividade. Disponível em: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/pesquisa-inglesa-mostra-que-reducao-da-jornada-de-trabalho-nao-afeta-produtividade. Acesso em: 22 nov. 2024.
[9] REVISTA DE PSICOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E TRABALHO. Florianópolis, v. 7, n. 1, jun. 2007. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1984-66572007000100007&script=sci_arttext&. Acesso em: 22 nov. 2024.
[10] TOPP, Julia; HILLE, Jan Hendrik; NEUMANN, Michael; MÖTEFINDT, David. How a 4-day work week affects agile software development teams. ArXiv, Cornell University, 2021. DOI: https://doi.org/10.48550/arXiv.2111.08968. Disponível em:https://arxiv.org/abs/2111.08968. Acesso em: 22 nov. 2024.
[11] OREHOVA, Baiba; CHEPISHEVA, Stela. Work-life management through the lens of the 4-day workweek. Social Entrepreneurship and Management. Roskilde University, 2022. Disponível em: https://rucforsk.ruc.dk/ws/files/81426180/Project_report_final. Acesso em: 22 nov. 2024.
[12] SOUZA, Ana Clara Coutinho de; SILVA, Carolina Nicoletti Ramos da; KELLY, Claudio Augusto. Efeitos da redução da jornada de trabalho sobre a economia brasileira. Ciências Humanas, v. 27, n. 127, out. 2023. Disponível em: https://revistaft.com.br/efeitos-da-reducao-da-jornada-de-trabalho-sobre-a-economia-brasileira/. Acesso em: 22 nov. 2024.
[13] Redução da jornada de trabalho deve voltar à pauta do Senado em 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/01/19/reducao-da-jornada-de-trabalho-deve-voltar-a-pauta-do-senado-em-2024. Acesso em: 22 nov. 2024.
